A Primeira Vez

Durante o primeiro ano de vida, o Afonso não dormia nem deixava ninguém dormir. Acordava de duas em duas horas, sobretudo porque nem eu nem a Susana, conseguimos implementar rotinas suficientemente eficazes para o ensinar a passar bem as noites. Umas vezes, era eu quem o embalava ao colo, outras, era a mãe quem lhe dava mama até ele cair para o lado. Mas fosse qual fosse a solução encontrada para adormecer a cria, ela acordava ao fim de pouco tempo. Quando se apanhava no berço, devia sentir-se enganada porque já não estava ao colo do papá, nem agarrado à mama da mãe.

Pouco depois do Afonso completar o primeiro ano de vida, decidimos que tínhamos de fazer alguma coisa. Falámos com o pediatra, recorremos ao livro de um terapeuta de sono e começámos a tentar ensina-lo a dormir. Na primeira noite de aplicação do método acordei 11 (sim, 11) vezes! E isto, depois de quase duas horas de luta para que ele adormecesse. Nessa mesma noite, o Afonso conseguiu não protestar durante as primeiras quatro horas, o que constituiu novo record pessoal para o meu pequeno bandido. O pior veio depois…

Quando me levantei, por volta das 6h para trabalhar, nem sabia bem se havia de rir ou de chorar. Foi o inicio de uma batalha que durou dois anos. Foi o inicio de uma batalha que, todos juntos, cá em casa, conseguimos vencer.

Saio da cama ao mesmo tempo que a minha mulher. Estou cansado, mas animado. Sinto-me numa esquizofrenia de sensações porque a noite foi um caos, mas o Afonso adormeceu na cama dele e fez quatro horas de sono consecutivas, algo que não acontecia desde os primeiros meses de vida. Enquanto ela se maquilha, faço uma narração tão detalhada quanto possível da aventura nocturna. E acrescento nunca ter imaginado que uma mulher pudesse ficar tão sexy a roncar. Ela escuta o relato com atenção e, no final, olha para mim sem saber se há-de dar-me credibilidade ou mandar-me internar.

In O Meu Filho Não Dorme, Luís Maia, Editora Guerra e Paz, 2018

Publicado por

Luís Maia

Luís Maia nasceu a 15 de Outubro de 1976, na Póvoa de Varzim. Licenciou-se em Comunicação Social no Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas. Em 1999 trocou um emprego em part-time, num call center, por um estágio remunerado somente com senhas de refeição, na redação da TVI. Iniciou aí uma carreira de repórter que o levou a produtoras como a Duvideo, Teresa Guilherme Produções e Comunicassom, para além do jornal 24 Horas e de estações como a TVI e a SIC. Entre 2008 e 2009 viveu em Angola, onde coordenou o entretenimento do primeiro canal privado daquele país, a TV Zimbo. Actualmente trabalha para a FremantleMedia, fazendo reportagens em directo no segmento de actualidade criminal, do programa Queridas Manhãs da SIC. É baterista reformado, ex-futuro jogador de poker. Mas é, sobretudo, marido, pai e, segundo consta, bom chefe de família.

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