Calma. Não comecem já a dar os parabéns. Temos dois índios cá em casa, estamos muito felizes com eles e não encomendámos mais nenhum. Mas no inicio de 2013, um telefonema da Susana mudou para sempre a nossa vida. Recordo esse momento com muito carinho.
Apesar de me sentir há muito preparado para a paternidade, não pensava insistentemente no caso. Talvez por isso, quando a Susana me ligou algures no inicio do segundo trimestre de 2013, a dizer que precisava muito de falar comigo, eu não tenha conseguido juntar imediatamente as peças todas. Se ela diz logo tudo o que tem para dizer, por que raio há-de querer conversar apenas quando estivermos juntos em casa?
Da maneira como fala, até parece que está grávida, lembro-me de pensar enquanto conduzo. Mas rapidamente desisto da ideia. Vá lá agora estar grávida… Deve é querer acabar comigo, conjecturo de seguida, apesar de não encontrar motivo para ruptura. Numa fracção de segundos, ainda me ocorre que tenha delapidado o saldo do cartão de crédito e lhe falte coragem de me contar ao telefone. Mas esse não é o estilo dela. Ou que pretenda propor-me uma ida a um clube de swing. Mas esse também não é o estilo dela. Nem o meu. Portanto, o mais provável é que queira mesmo pôr-me as malas à porta, porque grávida não está com certeza. Apenas quando lhe digo que talvez chegue tarde a casa por estar sobrecarregado de trabalho, ela abre finalmente o jogo. E a verdade é que estamos mesmo grávidos.
Estás a falar a sério ou a pôr-me à prova, amor?, pergunto, à defesa.
Achas que ia brincar com uma coisa destas?, responde a Susana de forma interrogativa, mas em tom pragmático.
´E claro que não está a brincar. Vamos ser pais! Já tínhamos deixado no ar que poderíamos pensar no caso a partir de 2014, mas essa era ainda uma ideia longínqua. Naquele momento, as circunstâncias acabam de mudar por completo. Está uma vida a formar-se no ventre da minha mulher, que é, à data, namorada. Talvez tenha demorado uns minutos ou umas horas a encaixar a notícia, mas rapidamente toda a nova realidade me assenta como uma luva. Uma verdadeira Epifania!
in O Meu Filho Não Dorme, Editora Guerra e Paz, 2018