Nem Parece Futebol

A noite de 19 de Setembro de 2018, marcou o regresso do filho pródigo ao Estádio da Luz. Renato Sanches fez-se homem no Benfica, fez-se estrela no Benfica. Foi campeão no Benfica. Podia ter sido um puto como outro qualquer, com jeito para a bola, mas com um futuro vazio. Porém, Renato contrariou as probabilidades. Crescer num bairro problemático não foi obstáculo para afirmar o seu talento, a sua determinação e a sua garra. Tornou-se um símbolo para todos os meninos que sonham conquistar o seu espaço no mundo do futebol.

Aos 18 anos foi considerado o melhor jogador júnior do mundo. Aos 18 anos transferiu-se para a Alemanha, para o colosso Bayern de Munique. No entanto, a vida não lhe tem corrido bem lá para os lados da Baviera. Há já quem diga que nunca será um jogador de topo, como muitos chegaram a vaticinar.

A 19 de Setembro de 2018, Renato regressou ao estádio onde mais vezes foi feliz, ao estádio no qual o mundo se curvou perante o seu talento. Desta vez, vestia a camisola do inimigo. Desta vez, acabaria por marcar o segundo e último golo na vitória dos alemães. Foi o autor da estocada final no seu clube do coração. Em vez de festejar, Renato pediu desculpa. E o público, em vez de assobiar, aplaudiu. De pé.

Não acredito que o rapaz não tenha ficado feliz. Foi o seu primeiro jogo a titular esta época e foi o seu primeiro golo desde que chegou ao Bayern. A UEFA elegeu-o o melhor em campo. Pode ser esta a sua oportunidade para renascer das cinzas. Mas mesmo perante toda esta conjuntura quase mágica, o menino da Musgueira pediu perdão ao clube que o catapultou para a ribalta. E, no final da partida, disse em entrevista que faz parte da família benfiquista.

Numa altura em que falar do desporto-rei significa falar em suspeição, corrupção e afins, a noite de 19 de Setembro de 2018, no Estádio da Luz, tornou-se em algo de tão nobre que quase nem parecia uma noite de futebol.

Saber Parar

Quem me conhece sabe que tenho dificuldade em parar. Estou quase sempre a fazer qualquer coisa, a tentar produzir qualquer coisa, a tentar criar, ou a espreitar caminhos por onde nunca me tinha aventurado antes. Há muitos anos que devo muitas horas à cama, porque sou um curioso, um inquieto. Ando sempre à procura.

A gerir o meu tempo, acho-me apenas medíocre. Com um pouco mais de organização, teria uma vida muito mais descansada. Mas também tenho noção que este ritmo acelerado ajudou-me a crescer, ajudou a fazer de mim um homenzinho.

O que talvez nunca tivesse percebido de forma tão clara como neste ano, é que também é preciso parar. Parar completamente. Não apenas fingir que se está a descansar, para constantemente agarrar pontas soltas. É preciso desligar o motor, de quando em vez. E quando o fizermos, muitas vezes, estaremos a produzir mais do que quando enterramos o pé no acelerador como se não houvesse amanhã.

Às vezes é preciso parar. Nem que seja ao fim da tarde, para apanhar um pouco de brisa fresca, na varanda, enquanto se pensa em nada.

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Oito Perguntas Para Ricardo Robles

Em primeiro lugar, devo dizer que não tenho nada contra quem ganha dinheiro a comprar e vender imóveis, ou contra quem ganha dinheiro com o alojamento local, apesar de ter noção que esses dois factores jogam contra mim neste preciso momento. Ando à procura de casa para comprar, porque vivo numa arrendada e não consigo sequer aproximar-me dos valores que pedem pelos imóveis em grande parte do concelho de Oeiras, que é onde eu e a minha mulher trabalhamos e onde se situam as escolas dos miúdos. Ou seja, ando a ser tramado pela especulação imobiliária, mas tenho fair play e não tento não ser tendencioso.

Posto isto, vamos então às questões…

Caro engenheiro Ricardo Robles

  1. Como é que alguém compra um imóvel por 370 000€ e gasta mais 600 000€ em obras, com um rendimento de 21 000€ anuais?
  2. Se, com esses parcos rendimentos, teve de se empenhar até aos ossos para comprar o edifício e fazer obras, como consegue cobrar apenas 170€ ou 180€ de renda mensal aos antigos inquilinos (tal como disse quando confrontado pelos jornalistas), sem ir à falência?
  3. Como é que este imóvel, que esteve à venda por 5 milhões de euros, não paga o adicional de IMI, o chamado Imposto Mortágua (criado pelo partido do engenheiro Robles), que taxa imóveis com um valor patrimonial superior a meio milhão?
  4. Porque é que o executivo do doutor Medina, da Câmara Municipal de Lisboa, isentou o seu imóvel de IMI entre 2017 e 2021? É que estas isenções abrangem apenas edifícios que foram requalificados e não edifícios que para além de requalificados, foram também ampliados, como o seu…
  5. Se é contra a especulação imobiliária, porque é que colocou o imóvel à venda por 5 milhões, quando o seu valor de mercado (segundo vários especialistas do ramo) estaria mais próximo dos 3,5 milhões?
  6. Se é contra a especulação imobiliária, porque é que tem uma casa no Conde Redondo e outra nas Janelas Verdes (ambas no centro de Lisboa), arrendadas por mais de 1 000€ cada uma?
  7. Como é que um engenheiro civil, especialista em reabilitação urbana e eficiência energética, não percebeu que a conjunção de todos estes factores, poderia terminar numa grande embrulhada?
  8. Se afinal não é assim tão contra a especulação imobiliária, qual é a necessidade de dar a cara em outdoors, contra a especulação imobiliária e contra o arrendamento local, em Lisboa?

O que é tramado não é investir e ganhar dinheiro com isso. O que é tramado é comportar-se perante as massas como dono da moralidade e, pelas costas, fazer tudo ao contrário daquilo que se apregoa na praça pública.

Nem Presidente Nem Adepto

Bruno de Carvalho teve tudo para ficar na presidência do Sporting durante 10, 20 ou 30 anos. Chegou ao cargo cheio de garra, conferiu ao Sporting uma pujança nunca vista no meu tempo de vida e ganhou títulos nas modalidades. Faltou-lhe ganhar no futebol. E talvez tenha sido esse o principio do fim do presidente deposto.

Mas é impossível liderar uma instituição com sucesso instigando contra antigos dirigentes, jogadores, adeptos descontentes, jornalistas, accionistas, ou toda e qualquer pessoa que manifeste opinião divergente.

É impossível liderar uma instituição com sucesso, assumindo apenas os louros da vitória enquanto se atira os espinhos da derrota na direção dos demais.

É impossível liderar uma instituição com sucesso, quando destilar ódio contra adversários é tão prioritário como a construção da causa própria. Aliás, no desporto não pode haver inimigos. Apenas adversários.

É impossível liderar uma instituição com sucesso, quando a afirmação exacerbada do ego pessoal se sobrepõe aos interesses do colectivo.

Bruno de Carvalho quis entrar para a história e conseguiu. Por ser o presidente deu garras afiadas ao leão. Mas também por ser o primeiro presidente destituído da história do clube. Na hora da despedida, o presidente-adepto, disse que jamais voltará ao estádio e jamais voltará a sofrer pelo Sporting. No fundo, já não quer ser presidente nem adepto.

Separados pela Fronteira

Sempre achei (e continuo a achar) que Donald Trump é apenas um palerma que, quase por acaso e por falta de concorrência à altura, ascendeu ao cargo de presidente da república da maior superpotência mundial. É um acaso tramado. E quiçá perigoso. Mas comparo-o àquelas gripes chatas, que nos apanham a cabeça, os brônquios e até o ânimo. Podem deixar-nos com 40º de febre e com um ataque de pieguice que nos faz sentir como se estivéssemos à beira da morte. Mas depois de umas boas doses de antibiótico, lá desaparece o famigerado vírus sem deixar o mínimo rasto da sua insignificante existência.

Antes da eleição de Donald Trump, temi que a sua hipotética vitória poderia abrir caminho a uma terceira guerra mundial. Ou ao caos total. Hoje, acho que ele vai desaparecer como a gripe. É uma questão de tempo. Provavelmente, de pouco tempo.

Sim, é grave ele ter rasgado acordos ambientais, assinados por dirigentes de todo o mundo. Mas acredito que tudo voltará ao seu devido lugar assim que ele saia da Casa Branca. O que não consigo digerir é a atrocidade que esta administração tem cometido junto à fronteira com o México. Separar crianças dos seus pais, mesmo que os pais sejam imigrantes ilegais, é uma atrocidade. Em qualquer parte do mundo. E desta atrocidade, o presidente com nome de pato é o principal culpado.

Impossível Esquecer

É impossível esquecer Pedrogão, impossível esquecer Castanheira de Pêra, impossível esquecer Mação, Góis, Oliveira do Hospital, Pampilhosa da Serra e tantos outros recantos deste Portugal, impiedosamente consumidos pelas chamas em 2017. É impossível esquecer as vidas perdidas, 116 ao todo. É impossível esquecer as lágrimas, o sofrimento, o desespero dos que lutaram contra as chamas, sem outro auxilio que não o das próprias mãos e de meia dúzia de ferramentas rudimentares.

É impossível esquecer o homem que exortou a mulher a fugir, para ficar ele próprio a defender a casa das chamas que se aproximavam. Horas depois soube que a tinha mandado para a morte.

É impossível esquecer a senhora que prescindiu de adquirir os seus próprios medicamentos, de modo a ter dinheiro para comprar ração para os poucos animais que lhe restavam, pois dependia deles para sobreviver.

É impossível esquecer o homem que se salvou, fugindo na bagageira do carro de um vizinho, sobrelotado por pessoas que fugiam à morte.

É impossível esquecer o homem que me ameaçou com a sua caçadeira, por achar que eu e o repórter de imagem éramos apenas mais dois burlões, que estariam a tentar enganar as vítimas dos incêndios que viviam isoladas.

Como ser humano e como repórter, creio que nunca poderei apagar o que vi, o que ouvi e o que senti entre Junho e Outubro do ano passado. Jamais assisti a tão profundo caos, em toda a minha vida. Este ano tem de ser diferente!

Cristiano, os Espanhóis e as Mulheres Traídas

De cada vez que verbalizo a minha preferência pelo futebol de Lionel Messi, em detrimento do de Cristiano Ronaldo, percebo incredulidade, indignação ou vontade de me fuzilar, nos olhares da maioria dos meus interlocutores. Que afronta! Como é que um português de gema, amante de futebol, fervoroso defensor das cores nacionais, pode deixar-se encantar pela magia do meia-leca alviceleste, em vez de se curvar ao instinto matador do gigante português?

Pois hoje curvo-me. Ronaldo foi letal, como de costume. Decisivo, como sempre. Três golos apontados à Espanha, uma das três principais candidatas ao título mundial (tal como, na minha opinião, o são a Alemanha e o Brasil), não é para qualquer um. A capacidade que ele tem de levar uma equipa às costas está apenas ao alcance dos maiores de todos os tempos. A capacidade que tem de fazer um país acreditar, tem um alcance mais vasto do que o próprio futebol.

Cristiano, o menino madeirense que treinava com pesos atados aos pés, para poder um dia ser mais rápido do que os outros, nem precisa de ser o mais talentoso, para ser o melhor.

Quanto aos espanhóis, ao verem o CR7 marcar mais um hat-trick, devem sentir-se como aquelas mulheres traídas pela enésima vez, que olham para os maridos e pensam: “este gajo não mudou nada”!

Karma is a Bitch!

Em 2012, Pablo Iglesias, líder do partido espanhol Podemos, criticou o ex-Ministro da Economia, Luis de Guindos, do PP, por ter comprado uma casa do valor de 600 mil euros. “Confiariam a política económica de um país a alguém que gasta 600 mil euros num apartamento de luxo?” – questionou, na altura, o deputado que se tornou célebre pela imagem informal e pelo rabo de cavalo. Iglesias defende que os políticos devem renunciar a salários excessivos e que devem viver como as pessoas comuns, para que as possam representar dignamente junto das instituições. Daí a critica ao ex-ministro.

O problema é que, tal como dizem os americanos, karma is a bitch. Ou, tal como diz o tuga, não nos podermos fiar naquilo que dizem os políticos. Então não é que o bom do senhor Iglesias e a sua companheira Irene Montero, também ela deputada e porta-voz do Podemos, acabam de comprar uma casa com piscina, no valor de… 600 mil euros. Que pontaria do caraças! Parece de propósito.

Assim que soube da notícia fiquei curioso por saber como é que esta malta ia descalçar uma bota tão apertada.  Mas eles tinham a resposta na ponta da língua – trata-se de “um projecto familiar”. Pablo e Irene vão ser pais de gémeos em breve, precisam de uma casa ampla. E com piscina, é claro. Ponto final.

Então e o ex-Ministro que eles criticaram? Esse apenas comprou uma casa de luxo para “especular”, segundo o casal. Malandro… Talvez Pablo e Irene tenham pensado algo do género – Nós Podemos, mas os outros não!

Quem acha que só em Portugal é que os políticos se dão ao desplante de tratar os eleitores como imbecis, que mude já de ideias. Sejam de esquerda ou de direita, sejam portugueses ou espanhóis, em qualquer parte do mundo, um populista, é apenas um populista. Um cretino, é apenas um cretino. E um político, é apenas um político.

Há Palermas a Mais no Futebol

Lembro-me de começar a vibrar com futebol mais ou menos na altura em que aprendi a ler e escrever. Mas mesmo quem não sabe ler nem escrever, entende facilmente que futebol é paixão, é emoção, é gritar até ficar rouco na comemoração de um golo, é ficar mudo de desilusão quando se perde um jogo decisivo. Futebol é rivalidade, é defesa acérrima das nossas cores. Futebol é a euforia da vitória. É a frustração da derrota. Mas futebol não pode ser sinónimo de ignorância. Nem de ódio.

O ambiente no futebol português é mau. E duvido que as coisas melhorem enquanto houver equipas a celebrar títulos com insultos aos adversários. Duvido que haja paz enquanto não se souber toda a verdade acerca de e-mails, toupeiras e corrupção. Duvido que a credibilidade do jogo aumente enquanto houver cobardes a agir a coberto de denuncias anónimas. Duvido que esta industria tenha boa imagem enquanto dirigentes populistas persistirem em discursos incendiários.

Os treinadores não podem dizer que não comentam arbitragens, para quebrarem a promessa a cada vez que perdem uma partida. A comunicação social não pode gastar mais tempo a debater polémicas do que o jogo em si. Os adeptos não podem estar mais preocupados em lamentar erros de arbitragem, do que os golos falhados de baliza aberta.

No futebol há adversários, não há inimigos. Não pode haver inimigos. E quem não percebe isto, está a mais no futebol. Está a mais no desporto. Quem acha que invadir o balneário de uma equipa e agredir jogadores, é a forma de resolver seja o que for, não gosta de futebol nem gosta do seu clube. Felizmente, esta gente é uma minoria. Mas a verdade é que, ainda que sejam poucos, há palermas a mais no futebol.