Uma Questão de Memória

Ex-Primeiro-Ministro e ex-preso preventivo em Évora, José Sócrates, apresentou-se na Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, como o ex-futuro salvador da pátria. O engenheiro gabou a “coragem e o desassombro” dos estudantes que o convidaram para aquela palestra e disse que o país não tem um verdadeiro “projecto de modernização” desde que ele saiu do governo. Disse também que o seu executivo foi o último a apostar em “construção de escolas públicas, de barragens, de mais investimento na ciência, nas tecnologias de informação, na modernização das infraeestruturas”. Mas não disse que deixou o país com um défice de 11,2% do PIB.

Sócrates vociferou contra a austeridade, acusando Pedro Passos Coelho de ter sido como alguém que está “num buraco” e que “para sair do buraco, escava mais, afundando-se ainda mais”. Mas não disse que, em 2010, foi ele mesmo a propor os primeiros pacotes de austeridade (PEC), que pretendiam conter a despesa com recurso, por exemplo, à redução dos salários da função pública. E também não disse que, à época, justificou a sua decisão alegando que “estas medidas só são tomadas quando um político entende em consciência que não há nenhuma outra alternativa”.

O engenheiro defendeu também que “a ideia da rede de alta velocidade parar em Badajoz, por uma decisão política que nos condena ao atraso é das ideias mais reacionárias” que tem ouvido nos últimos tempos. E atira culpas ao governo PSD/CDS. Ora, eu que sou, de uma forma geral, a favor do progresso, concordo que precisamos de uma modernização urgente dos transportes ferroviários nacionais, desde que os investimentos sejam feitos de forma transparente e sem recurso a um endividamento irracional. Mas José Sócrates não disse que foi um despacho do seu próprio governo, em 2010, a suspender o projecto do TGV, por falta de condições financeiras.

É tudo uma questão de memória.